Sobre o promotor
Pede-me alguém que escreva, de uma forma tão sucinta quanto possível - e espero não ser traído pela memória nem pela ingratidão - algo sobre a minha Vida de pessoa, enquanto deficiente inserido num universo, tal como a palavra o indica, único, meu e só meu; mas que, ao ser descrito, poderá, e espero que assim seja, dar uma imagem de quão difícil é para um ser humano ser diferente numa sociedade que não se conhece como tal, e porque a maioria dos homens, por isso, também não se conhece a si mesmo.
Assim, também eu, ao escrever estas linhas, e ao revisitar experiências vividas e sentidas, procurarei conhecer-me, e reconhecer-me, como homem, com limitações, que sou.
Tanto quanto me lembro, tudo começou no longínquo ano de 1962, tinha eu 3 anos de idade, quando os meus pais que, tanto quanto sei, não tinham nas suas famílias pessoas com limitações, notaram que eu estava a pedir para repetir tudo o que me diziam, com um lacónico "Hã?". O que se passou, então, a minha memória não o diz. Mas está viva, bem viva, a correria que foi para procurar, com os meios médicos e técnicos, existentes na época, dar-me uma qualidade de vida mais desafogada, enquanto pessoa surda.
Os tempos eram difíceis, a 2ª Grande Guerra terminara havia já 15 anos. A Europa renascia, ainda, das cinzas. A estrutura social, com tudo o que a suporta, levou algum tempo a reorganizar-se; mas os meus pais, esses, não perderam tempo, nunca.
Procurou-se os médicos mais adequados, os técnicos existentes e os melhores métodos para que eu não perdesse essa maravilhosa ligação com o Mundo, que é a audição e, consequentemente, a fala. Neste contexto, os objectivos, e o sonho, foram atingidos, mas nem por isso os meus pais baixaram os braços. A tarefa não estava terminada. Jamais estaria; sei-o hoje.
Assim, começou a busca de uma escolaridade adaptada às circunstâncias. Os colégios sucederam-se, numa busca constante do mais adequado à época, e às terapias. Sei hoje, com conhecimento de causa, quanto isso foi positivo; e isto porque a permanência prolongada no mesmo colégio, com as mesmas pessoas, que poderão, muitas vezes, não ser as melhores, tanto como pessoas tanto como técnicos, leva, na maioria das vezes, à criação, quase inevitável, de uma ideia estereotipadamente errada de uma pessoa, e, muito mais quando ela é possuidora de alguma limitação, seja ela sensorial física ou motora. Nessa busca, constante, de uma escolaridade eficaz surgiu a possibilidade, agora no ensino público, de frequentar uma "Escola Piloto "do Ensino Especial, neste caso para Surdos, a Escola Preparatória Pedro de Santarém. Era um oásis num deserto! Num País onde faltava quase tudo, no aspecto técnico, ali tudo se superava com o que um ser humano têm de melhor de si mesmo: "O Calor Humano". E, esse, transpõe todas as barreiras, e, faz Maravilhas!