Um dos objectivos da nossa aposta em fazer esta curta-metragem é abrir e manter viva a discussão sobre o tema do aborto.
Antes de mais gostaríamos de partilhar uma conquista na feitura deste teaser que, parece, ter cumprido o seu objectivo logo à partida.
Nele são mostradas duas visões claramente antagónicas (Maria José Magalhães e Nuno Monteiro); opõem-se e, queremos acreditar, sem demérito para nenhum dos intervenientes. Uma terceira participação ligeiramente mais analítica protagonizada por João Teixeira Lopes. Desta forma cumpre-se um dos objectivos da nossa aposta em fazer esta curta-metragem, de abrir e manter viva a discussão sobre o tema do aborto. Porta aberta para uma discussão a sustentar futuramente – questões de vida e de morte.
Escolhemos apresentar-vos a nossa curta através dum conjunto de três entrevistas, realizadas separadamente, no contexto do tribunal da relação do Porto: local de decisão de questões maiores da nossa sociedade. Esperamos, desta forma, ter contribuído para a dignidade e importância que este assunto nos merece.
Por último a melhor, porque essencial, a semente da dúvida colocada bem fundo no espírito desta equipa fruto da procura no entendimento desta questão. A maior parte da equipa, nos seus 20 e poucos anos, está inserida numa geração formatada pelo discurso pró escolha a que faltava o caminho árduo da conquista.
Hoje numa geração com a garantia da escolha, talvez não se tenham mudado opiniões, mas roubaram-se as certezas pela força da dúvida que alimenta consciências. Garante o exercício da responsabilidade. Abre as portas ao entendimento.
É para este exercício que vos propomos apoio: o da Cidadania.
1985. Maria é violada em casa, no último reduto da sua solidão. O seu santuário é agora o seu calvário. Um automóvel desgovernado ao cruzar a rua pode ser a solução…
Esta é a história de uma mulher que vive sozinha no interior do país numa aldeia recôndita. Maria é uma mulher de fortes convicções morais e religiosas. Sozinha e isolada não tem como justificar a súbita gravidez fruto de uma violação. À saída do hospital, onde lhe confirmaram a gravidez, surge repentinamente uma solução para os seus problemas. A sua religiosidade e moral rígidas não lhe permitem considerar o suicídio ou praticar um aborto. Mas um automóvel a derrapar desgovernado na sua direção pode ser a solução – basta que permaneça quieta. Ninguém a poderia responsabilizar por um acidente.
O que fazer?
Como agir?
Qual a solução?
Manter a gravidez?
O que vai falar mais alto?
O amor a Deus?
Conviver com uma criança que, embora inocente, será sempre lembrança viva da forma bárbara como foi concebida?
Como a irá julgar a comunidade ao vê-la grávida quando o marido está para fora?
Esta dúvida é o clímax de toda a acção. Focar o olhar do público sobre o dilema que não tem solução possível.
Sobre o promotor
A Frame Productions começou com um grupo de três jovens em busca do seu lugar no mercado, por acharem que tinham capacidade de diferenciação e algo mais a dizer sobre este mundo.
Deste modo, após uma primeira experiência a realizar vídeos relacionados com a música, surge-lhes uma oportunidade de produzir uma série de televisão quando o argumentista Frederico Honório lhes apresenta a ideia.
A partir daqui, sabiam que tinham lugar neste mundo e que seria este o caminho certo para si. Constituíram uma equipa jovem, com muita força de vontade e pró-actividade. Assim foram de malas e bagagens para Viana do Castelo gravar o episódio piloto da série Heresia.
Ainda em negociações para a sua venda, têm tido um percurso variado pelo vídeo, fotografia e multimédia.
Uma compilação dos seus trabalhos pode ser vista através do seu showreel ou então acedendo ao site da produtora.
Desde o início que o objectivo desta curta era olhar para lá dos discursos. Procurar as pessoas directamente afectadas. A questão era: depois de anos a discutir-se um tema, como o aborto, até que ponto as pessoas não se perderão no meio dos discursos.
A sensação que fica é que, depois de anos a defender uma causa, os interlocutores têm tendência a uniformizar, entre si, um discurso. Naturalmente que, para se conseguir mudar algo tão conservador como uma lei, com isso toda uma mentalidade, a mensagem tende a ser simplificada, uniformizada, sob pena de se confundir a generalidade das pessoas a que se quer chegar. Com isto as posições, de parte a parte, tendem a extremar-se. As ideias repetidas até à exaustão. Ao ponto de, pelo menos aparentemente, se distanciar das pessoas.
Aprofundando, levou-nos a algo ainda mais rico. Toda a questão sócio-económica que a envolve. Rapidamente nos reportamos há 30 anos atrás à primeira proposta de lei que colocou o aborto na agenda política, com isso a evolução do sistema de saúde e o progresso económico.
Em Portugal operava-se uma autêntica revolução. Os primeiros debates sobre o acesso dos jovens à contracepção desencadeado pela Associação para o Planeamento Familiar.
A criação do Serviço Nacional de Saúde com a fusão dos serviços da Direcção-Geral de Saúde e dos Serviços Médico Sociais vai dotar o país de uma rede de centros de saúde, organizados segundo uma perspectiva de saúde pública. Estes avanços da política da saúde entravam em conflito directo com a orientação da igreja de então que se insurgia inclusive contra a pílula. País profundamente católico e com uma taxa de alfabetização baixa, para tal contribuindo o isolamento de uma parte considerável da população.
"Isolamento e ignorância", eram os dois estigmas a abater.
Salientamos, por isso, a importância da acção se passar em 1985, pois desta forma conseguimos um enquadramento político/social decisivo em muitos aspectos:
- Discursos a respeito do aborto e a contracepção eram ainda mais extremados;
- O Serviço de Saúde, como hoje o conhecemos, é oficializado;
- A contracepção e o aborto são, pela primeira vez, debatidos na Assembleia da República;
- Entrada de Portugal na CEE;
- Para minimizar o isolamento das populações a política Cavaquista apostava no alcatrão;
Agora passados 30 anos vemos um trabalho inverso, fechando universidades e Centros de Saúde, colocando portagens nas vias rápidas que isolam ainda mais o interior do país. 30 anos depois a aposta parece ser - isolamento e ignorância.
A verdade é que se olharmos para o interior do país, em muitos casos, a diferença de costumes e mentalidades, até mesmo a paisagem, não mudou assim tanto. Isto só acentua a sensação de retrocesso no compromisso do Estado para com a população: segurança, saúde, educação...enfim – progresso.
Há violências, tão graves, quanto a violência física e igualmente assustadoras.
No momento em que um automóvel se precipita desgovernado na sua direcção: Maria decide muito mais que a sua morte física. Decide sobre a vida que quer ter, ou não.
O abandono em que se encontra responsabiliza-nos a todos.
Enquanto produtora audiovisual e pessoas, acreditamos sempre na máxima qualidade dos nossos trabalhos, portanto ao fazer a curta-metragem “Deus Providenciará” queremos aumentar ainda mais a fasquia e fazer um produto merecedor de concorrer nos festivais internacionais.
Não queremos fazer apenas mais uma curta por fazer, queremos fazer com que um bom argumento aliado a uma boa técnica e estética consiga conquistar portugueses e estrangeiros, queremos levar a curta-metragem a uma escala internacional, porque o assunto é, de facto, bastante pertinente não só cá dentro, como lá fora.
O filme apresenta-nos a personagem, sua envolvência e dilema com que se tem de confrontar.
Escolhemos fazê-lo invertendo a cronologia, através de constantes saltos no tempo, dar a conhecer o percurso da personagem até ao ponto de pôr em causa a sua vida. Assim ilustramos a confusão emocional que lhe tolda a razão no momento que elegemos para começar a contar esta história.
Uso do slow motion para prolongarmos o momento da decisão, desencontros de som e imagem para ilustrar o seu estado de espírito. Visitando este mesmo momento em três fases distintas da evolução da história tornamo-lo no clímax da acção deixando ao público decidir sobre a totalidade da verdade da mulher em causa.
É importante salientar que não queremos fazer este filme para defender ou negar qualquer discurso ou opção de vida. Queremos o contrário!
Não deixar adormecer a nossa cidadania acobertados por leis que não resolvem nem decidem, apenas orientam. A questão é sobre que vida queremos levar!
* No DVD especial estará incluída a curta-metragem, o making of, o trailer e conversas com a actriz Isabel Abreu durante a rodagem da mesma, com o realizador, argumentista, etc.
CopyRight imagem Tribunal da Relação do Porto | Rede do Conhecimento
CopyRight quadro Salvador Dalí | Flogao.com.br