Em Portugal, há 26 mil vítimas de escravatura moderna, segundo a Walk Free Foundation, mas vários investigadores queixam-se de que os números são maiores. Vamos conhecer as histórias de quem sofre de escravatura pela sua própria voz.
Em abril de 2018, o tribunal de Loures condenou a penas de prisão efetiva 13 pessoas pertencentes a uma rede de tráfico de seres humanos (TSH) em Portugal. Um casal, com a ajuda de três filhos, dois sobrinhos, e dezenas de outros cúmplices (no total, eram 26 arguidos), transportavam pessoas de nacionalidade búlgara e romena até Portugal para exploração laboral e sexual, lucrando com isso. Para o Ministério Público, a empreitada deu-se de 2011 a 2015 e as vítimas eram aliciadas com “melhores condições em Portugal”. Era-lhes prometido “um bom salário e boas condições de trabalho, assim como alojamento digno para cada um dos trabalhadores e para as famílias, que por vezes os acompanhavam, incluindo crianças”. Chegados ao país, a realidade era outra: eram oferecidos, a troco de dinheiro, na sua maioria, a empresas de exploração agrícola no Alentejo. Nem boas condições de trabalho, nem alojamento digno. Antes tráfico e escravatura.
Os cabecilhas foram condenados: 16 anos para o homem, 15 para a mulher, por um crime de associação criminosa e 31 crimes de tráfico de pessoas, cada um. Outros se seguiram, também presos, com penas mais leves. Um caso-exceção, que confirma a regra da impunidade que continua a permitir a existência de pessoas escravizadas em Portugal, hoje. Segundo o Observatório do Tráfico de Seres Humanos, 175 pessoas foram sinalizadas, em 2017, como “presumíveis vítimas de TSH”. São usualmente imigrantes, vindas de África e do Leste da Europa e, na sua maioria, vítimas de tráfico laboral, ao contrário de outros países da Europa, onde a maioria é levada para tráfico sexual.
Mas não fica por aqui. Segundo o Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos, os números não batem certo com a realidade. A mesma acusação faz Cláudia Pedra, diretora da Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais e ex-diretora da Amnistia Internacional Portugal. Em entrevista ao Fumaça, acusa o governo português de “forjar os dados do tráfico em Portugal, para não semear o pânico”. Já Acácio Pereira, presidente do sindicato dos inspetores do SEF, disse ao DN: "Se multiplicássemos por 20 o número de casos de tráfico de seres humanos que vem nos relatórios oficiais, ainda seria pouco para retratar a realidade que se sente no terreno".
Nesta investigação, vamos ouvir as histórias de quem sofreu de escravatura moderna e tráfico de pessoas em Portugal. Do que sofreram na viagem até Portugal, e que luz veem (se veem alguma) ao fim do túnel. Vamos também conhecer que empresas se servem destas pessoas e as condições ques lhes impõem. Falaremos com investigadores que têm acompanhado este problema e com representantes políticos responsáveis pela área. O resultado, será uma série Fumaça, com vários episódios, que contextualize e explique o que se está a passar no país.
Fumaça
Vamos desistir da campanha
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Vamos desistir da campanha que apoiaste "A Nova Escravatura", mas não da investigação que queremos fazer. O que é que isto quer dizer?
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Mas desde o início do Fumaça que temos um sonho: criar o primeiro projeto de jornalismo em Portugal totalmente financiado pelas pessoas. Isto enquanto todo o nosso trabalho é sem fins lucrativos e aberto a toda a gente, sem premiums nem paywalls.
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A investigação sobre as milhares de vítimas de escravatura moderna, em Portugal, vai acontecer, independentemente das circunstâncias, porque achamos que é importante contar esta história. Mas queremos fazê-la da melhor forma possível, dedicando-lhe tempo e todo o nosso esforço. Para que isso aconteça temos de garantir que a redação do Fumaça tem os recursos para continuar a fazer o jornalismo em que acreditamos, mantendo salários dignos, contratos de trabalho e sem falsos estágios nem falsos recibos verdes (todas as nossas despesas estão disponíveis para consulta pública, bem como todos os contratos das bolsas que recebemos - podes consultar tudo em fumaca.pt/sobre/#transparencia).
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Maria Almeida
Co-fundadora e jornalista no Fumaça
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