Iniciámos o projecto com a certeza de que o iríamos fazer. Procurámos lugares não-convencionais que contêm a sua memória, para que essa se funda na nossa criação. Procurámos também financiamento, mas infelizmente não o obtivemos.
O PROJECTO
“EL CUERPO CONSUMIDO POR SU PROPIA NATURALEZA : OS ACTOS FINAIS” é a última etapa de uma pesquisa artística, onde nos propomos construir um espectáculo que expande as noções da dança ou do teatro, onde cruzamos os nossos backgrounds académicos - as artes visuais e plásticas - onde o corpo - a matéria mãe - se instala e se desvenda em diferentes espaços visuais e sonoros.
Grotowski dizia que a Performance é o Ritual, o cumprimento de uma acção, portanto um acontecimento; e o Performer um estado de existência.
Este projecto nasce da vontade de nos debruçarmos sobre a motivação da (re)acção humana, as sensações primárias (a dor e o prazer) que despoletam essa vitalidade, e consequentes emoções e sentimentos. De que forma estes se associam às nossas memórias e se reflectem nos nossos comportamentos?
Desta premissa, surge o ímpeto de repensar a intimidade, esse espaço cheio de potencialidade entre a realidade e a ficção - a verdade sempre subjectiva. O lugar onde a verdade existe não somente pela presença de factores externos, mas principalmente pela relação entre o que nos é exterior e o íntimo, o nosso intelecto.
De que é feito o corpo e do que é capaz? Que bichos assombram a consciência? Quem vive nessa bruta probidade? Que se deixa em detrimento da moral? O que se cumpre na estética do grotesco? De que punições somos merecedores? Como reagimos ao desconforto? Que palavras vociferamos e porquê? Que permissões são socialmente aceites, como distinguir quem cumpre a sanidade e quem sonha na loucura? Que sente o observador, que silencia e possivelmente instiga? Que traumas vivem nos corpos, que memórias escrutinam na bondade da raça humana? Buscamos o confronto com a nossa vontade de sentir, porquê? Do que somos capazes? Que outro-eu sou senão este corpo? Que caminhos percorremos na procura do tangível? Se neste processo, o amor surgir, abraçamos o duelo?
Este trabalho surge da vontade de pensar em conjunto, de propor uma espécie de meditação colectiva: uma reflexão com o outro sobre todos nós. Partindo de ideias biográficas, interessa-nos questionar a razão destas memórias - porquê estas e não outras? - transpondo-las, transformar o vulgar no absurdo. O tempo destas memórias existe em nós como um corpo que se foi desgastando. Este tempo é a duração de que precisamos para compor a nossa história, é a dilatação de movimentos que diariamente repetimos sem a consciência das nossas inúmeras capacidades.
Desde a Grécia Antiga, no Hedonismo, até à contemporaneidade, a dor e o prazer, estas duas sensações tão antagónicas têm sido objecto de estudo equiparado nas áreas humanísticas e científicas. Desde Pessoa a Freud, de Spinoza ou Bentham a Jung, a dor e o prazer são entendidas como as sensações que estimulam o ser humano, que inevitavelmente busca o prazer evitando a dor.
No “Livro do Desassossego" (assinado por Bernardo Soares), Fernando Pessoa escreve sobre alguns caminhos para se “ir buscar à dor o prazer, e passar em seguida a educar-se a sentir a dor falsamente, isto é, a ter ao sentir a dor, um prazer qualquer”. A permanência destas duas sensações ocorrem no sonhador, aquele que ao “sentir as coisas mínimas extraordinária — e desmedidamente” se deleita e sofre.
Pensamos na criação de um Ritual, o tal concerto de acções de Damásio, que se metamorfoseia, um experimento onde a intimidade é uma incubadora de emoções e sentimentos, uma intimidade intelectual que é catalisadora de memórias e se deleita entre o choro e a paixão. Um Ritual que intenta a desconstrução de pré-concepções e o desmantelamento da verdade absoluta, da ética universal, procurando reflectir sobre o que realmente move a condição humana.
FICHA ARTÍSTICA
Criação e Interpretação:
Miguel Ferrão Lopes e Julian Sanchez
Som:
Marcos Ferreira e Mariana Vale
Luz:
Sebastião Pinto
Registo audiovisual:
Teresa Baptista
Consultoria artística:
Mariana Tengner Barros
Co-Produção:
Kale Companhia de Dança/Armazém 22
Apoio à criação/Residência:
A Bela Associação
Centro de Experimentação Artística/Município da Moita
Estúdios Victor Cordon
Fábrica Braço de Prata
Largo Residências